Final de ano, os pensamentos de balanço do período assumem seu lugar, mesmo quando não convidados, não tem jeito. Estive revisitando minhas principais atividades de consultoria neste ano que logo finda, e me deparei com algumas coisas marcantes, incômodas, presentes em diferentes formas, em múltiplas circunstâncias. Coragem!

O Medo de mudar

 

 

 

O medo de decidir, de mudar, de dar aquele passo que permitiria a virada de chave, a inércia como escolha implícita, o “conforto” da zona... tudo isto mostra uma presença e uma persistência incríveis na vida das organizações. Mais mentorias, mais avaliações institucionais e, sobretudo, mais autoavaliações críticas, mais trocas entre pares e mais sistematização de experiências ajudariam bastante. 

A democracia ajuda, mas não faz mágica

Todos defendemos organizações democráticas, participativas, com níveis mínimos de hierarquia, etc. Beleza. Mas, confesso, um pouco cínico, que participação e horizontalidade não resolvem tudo. Junto com isso é necessário um determinado perfil de lideranças e uma certa cultura institucional orientadas para a responsabilidade e a coragem de apontar, debater e conduzir a decisões. 

 

A vitimização ainda rende

Infelizmente, muita gente no campo da sociedade civil organizada navega no social como vítima. Sim, podemos dizer a plenos pulmões que somos todas vítimas deste sistema iníquo. Ponto para nós! Mas vítimas não transformam, vítimas sofrem sua condição. Pode-se escolher lutar contra as injustiças do sistema, inventar modos e estratégias transformadoras, como fazem muitos movimentos e lideranças populares, nos elevando de vítimas a sujeitos emancipatórios. 

 

O coletivo é bacana, mas o indivíduo ainda existe

Temos no Brasil uma forte trajetória de fortalecimento do coletivo como valor e como arranjo organizacional em nossas práticas na sociedade civil. Isto molda nossa matriz de atuação, bebendo tanto da Teologia da Libertação, quanto das teorias organizacionais da Esquerda e da Educação Popular freiriana. Mas, na época histórica em que vivemos, seja pela lógica individualista capitalista, seja pela emergência do sujeito contemporâneo como “independente” da comunidade/sociedade, estamos desafiados a rever esta relação entre coletivo e indivíduo nas nossas organizações.

 

Conselhos Diretores podem ajudar, acreditem!

Todas as organizações têm seus conselhos diretores, com este ou outro nome similar. Beleza. Agora, ainda parecem ser minoria as organizações que sabem tirar o melhor de seus conselhos evitando os extremos “conselho meramente formal/não interfere” e “conselhos que acham que são liderança da equipe operativa”. Precisamos refletir mais sobre isto. Penso que o ideal é ter um conselho que ajuda, mas também desafia, sem desrespeitar as lideranças e equipes.

 

Gestão importa, mas a ação é mais importante

Dando um olhar panorâmico no campo das ofertas de serviços e apoio às OSCs, é fácil perceber que predominam as visões dos doadores e/ou dos experts em administração de empresas sobre os desafios das OSCs: transparência, gestão administrativa e financeira, compliance, governança, etc. Todos problemas reais, mas que são tratados como se fossem o essencial na vida das OSCs. Não são. Os desafios centrais das OSCs como sujeitos políticos são de estratégia de atuação: visão sistêmica, análise e diagnóstico, planejamento & estratégia, alianças e parcerias, formas inovadoras de ação, incidência, segurança para ativistas e, sim, recursos financeiros.

Visão sistêmica do campo está em falta

 

Os contextos difíceis, as carências várias do cotidiano, a lógica de projetos, o peso da lógica dos financiadores, os apoios focados e de curto prazo, e tantas outras razões, contribuíram para que muitas organizações tenham perdido a visão sistêmica e integral do seu campo de atuação/articulação e uma visão mais geral do campo da sociedade civil organizada. Faltam espaços agregadores intersetoriais para reflexão estratégica na sociedade civil. Tudo o que há acontece de forma fragmentada.

Menos certezas, mais experimentação

O mundo está dando sinais de deterioração acelerada. Fala-se mesmo em crises múltiplas. E nós cheios de convicções e certezas. Não vai dar certo...

Nietsche disse algo assim: Nada mais longe da verdade do que as minhas convicções. Bingo! Não se trata de abrir mão de convicções, mas sim de manter uma tensão saudável entre elas e a realidade.

É mais do que hora de as organizações arriscarem mais, experimentarem mais e inovarem mais.

Pense com sua cabeça, não com a do doador

Boa parte das lideranças de OSCs não se dão conta que perderam a cabeça. De tanto ter de lutar cotidianamente para pagar as contas e as pessoas, e de ter de dar conta de expectativas e exigências de diferentes doadores, passaram a operar para satisfazê-los. Sim, há que se relacionar com os doadores e entender suas necessidades, mas nada disso é compulsório. São escolhas. Melhor revitalizar os valores e verdades da organização e, a partir deles, construir estratégias e narrativas sedutoras para doadores sensíveis.

Filantropia tem lugar, mas não é o seu

A filantropia brasileira tem feito avanços significativos nos últimos anos. Novas instituições emergem no cenário, novas alianças intersetoriais se estabelecem e novas perspectivas se revelam. A maior visibilidade, e até apoio, ao DI das OSCs é uma das boas novidades. Tá OK, mas não percamos de vista que a filantropia/ISP não é o centro da sociedade civil organizada: o centro são os grupos, coletivos, organizações, redes e movimentos de base comunitária que mobilizam vontades coletivas populares. Toda iniciativa filantrópica deveria contribuir para isso.

Bom final de ano e boas pensatas de balanço para todo/as. 

 

Domingos Armani

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Domingos Armani

Domingos Armani é sociólogo, mestre em Ciência Política (UFRGS) e consultor em desenvolvimento institucional de organizações da sociedade civil (OSCs) há mais de 25 anos. Por meio de uma abordagem integral, reflexiva e sensível, apoia processos de mudança, simultaneamente, das pessoas e do todo institucional, visando a fortalecer ambos enquanto pilares de um ecossistema de transformação social.

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