PENSATA nº06 por Domingos Armani 24/03/2025 |
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Hora de dar um duplo twist carpado na sustentabilidade |
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Estamos todo/as perplexo/as e assustado/as com a atual vertigem de acontecimentos regressivos no mundo. As notícias de lá não são boas... As mudanças adversas na cooperação internacional ao desenvolvimento (CID) e os ataques da administração Trump à USAID, associados aos desafios à sustentabilidade do campo OSC e à democracia no Brasil, estão a exigir uma virada de chave nas estratégias de mobilização/captação de recursos. Não é pouca coisa! |
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A cooperação internacional está saindo de cena? As mudanças regressivas na CID |
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A gente lembra até com certo saudosismo das décadas de 1980 a 2000, quando a cooperação internacional, oficial e não governamental, teve um papel muito importante na redemocratização do país e no fortalecimento das organizações da sociedade civil como agentes políticos relevantes no processo democrático, na defesa de direitos e na disputa de modelos de desenvolvimento. |
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É só olhar pela janela para ver que hoje tudo está em reviravolta na CID. |
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Para início de conversa, é importante lembrar que a crescente dependência das Ongs europeias dos fundos públicos (chegando em alguns casos a 80%!) tem significado redução da liberdade de escolha (de países, de temas, etc.), o endurecimento de abordagens positivistas em M&A e a imposição de exigências administrativas inadequadas e desproporcionais às OSCs no Sul Global. Este grau de dependência já era um sinal da fragilidade crescente da CID. Pois é, de um lado se fala de decolonialidade (e quem ouve?) e, do outro, seguem as relações colonialistas. |
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As informações disponíveis indicam uma tendência de redução consistente dos recursos da cooperação internacional ao desenvolvimento, oficial e não oficial, fato este agravado pelo ataque recente da administração Trump à USAID (The Reality of Aid, 2023). Um levantamento informal parcial que fiz recentemente para um estudo a ser divulgado em abril próximo identificou 15 organizações internacionais que deixaram de atuar no Brasil desde os anos 2000. |
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Governos do Reino Unido, Alemanha, Países Baixos, Bélgica, Irlanda e Suíça realizaram reduções significativas em seus orçamentos de ajuda internacional e já anunciaram que novos cortes virão (40% no Reino Unido, 50% na Alemanha, 2,4 bilhões de euros nos Países Baixos). Várias ONGs europeias e fundações norte-americanas já vinham experimentando reduções em seus orçamentos nos últimos anos, inclusive em suas atividades no Brasil. Estes cortes recentemente anunciados nos orçamentos de ajuda internacional ao desenvolvimento afetam de forma importante os orçamentos e as prioridades de ONGs e fundações desses países. Os atores não governamentais comprometidos com direitos e democracia no Sul Global serão os mais afetados pelos cortes na CID. E agora, assistimos à tentativa de desmonte da USAID, responsável por 42% da ajuda humanitária internacional, com demissões e ameaça de fechamento e/ou redução da agência, tudo ainda em aberto e passando por disputas judiciais. O que já está afetando importantes políticas públicas em vários países africanos e asiáticos, e também ONGs brasileiras (Pesquisa Sitawi, 2025). Não parece haver dúvida de que a agência norte-americana nunca mais será a mesma e, o mais provável, é que saia desta menor, menos relevante e mais alinhada com os interesses da administração Trump. Saem de cena políticas de diversidade, equidade, inclusão e... clima! Existe hoje uma enorme preocupação com os riscos e possíveis efeitos do contexto norte-americano sobre a filantropia do país, à luz do ímpeto do ataque da administração Trump contra as políticas DEI nas instituições federais e nas grandes empresas (Diversity, Equity and Inclusion) e também contra 55 universidades que recebem recursos governamentais. Tudo indica que a cooperação internacional ao desenvolvimento será menos relevante globalmente, afetando e ameaçando a vida de milhões de pessoas. Com menos recursos e mais pressionadas por governos, as Ongs e fundações do Hemisfério Norte tenderão a ser ainda mais seletivas no apoio a parceiros no Sul Global, tornando bem mais difícil conseguir e manter seu apoio. |
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E agora, correr para onde? |
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O cenário das alternativas ao apoio da cooperação e da filantropia internacionais não parece alvissareiro. Sugiro a seguir alguns movimentos possíveis: Movimento 1: A CID será mais seletiva e o acesso a seus recursos será ainda mais competitivo, mas isto não deve significar o abandono desta alternativa, sobretudo para organizações médias e grandes, com um bom portfólio de projetos relevantes e com histórico de parcerias internacionais. Prepare-se para devotar mais energia na manutenção das atuais relações (se existirem) e fortalecer o setor administrativo e financeiro, que vai ter de suar a camiseta ainda mais para dar conta do recado. Movimento 2: O acesso a recursos públicos via MROSC segue sendo uma boa alternativa, embora com muitas barreiras de entrada, dada a relativa complexidade do sistema todo, especialmente para organizações menores. Lembrando que 82% dos recursos liberados via MROSC entre 2016 e 2022 foram via emendas parlamentares (Perfil das Parcerias, 2024). As emendas representam outro mecanismo de captação de recursos com procedimentos particulares a serem dominados pelas OSCs, os quais serão “endurecidos” após as atuais investigações e negociações entre STF, CGU e Congresso. Urgente capacitar equipes para acesso a recursos via MROSC e via emendas, com muito cuidado para evitar riscos reputacionais. Movimento 3: A busca por apoio junto à filantropia e ao ISP brasileiros é não só uma boa pedida, como algo necessário, pelo bem de ambos, instituições filantrópicas e OSCs. Isto porque a filantropia necessita avançar e superar seus traços limitadores, como a concentração no Sudeste, a dominância de projetos próprios, foco quase exclusivo em temas considerados “seguros” (educação e cultura), aversão ao risco, termos de relação top-down e a cultura do controle ao invés da autonomia, etc. E as OSCs precisam superar preconceitos e rigidez para se aproximar e serem capazes de estabelecer relações produtivas e saudáveis com a filantropia. Um limite é que o volume de recursos investido pela filantropia brasileira tem aumentado pouco no pós-pandemia. É imperativo um diálogo interno no campo filantrópico sobre isso, mas também um diálogo político de alto nível entre instituições filantrópicas e OSCs, visando favorecer a maior contribuição da filantropia ao desafio da sustentabilidade do campo OSC. O apoio ao desenvolvimento institucional e fortalecimento de capacidades podem ter um papel importante nisso. Movimento 4: Neste contexto geral, os fundos e fundações da filantropia comunitária e os fundos territoriais (indígenas, quilombolas, de comunidades tradicionais, etc.) ganham ainda maior relevância, seja por sua visão de fortalecimento dos sujeitos populares, seja pelas formas de relação que respeitam a autonomia das organizações e movimentos, seja por sua conexão autêntica com as causas sociais e por sua reconhecida capilaridade. Um dos problemas aqui são os riscos reais de redução do apoio da CID no futuro próximo. O outro é o fato de os apoios financeiros serem relativamente modestos. Seria fantástico se a filantropia comunitária pudesse ter acesso a recursos públicos via MROSC... Movimento 5: Tudo o que foi dito acima nos leva a crer que a busca por doações de indivíduos, em suas inúmeras formas, torna-se crucial para a sustentabilidade de boa parte das OSCs. As pequenas organizações estão acostumadas a iniciativas de geração de renda, vitais para elas. Mas poucas organizações médias ou grandes conseguiram estabelecer estratégias de mobilização de recursos de indivíduos. Aqui se esbarra na cultura de doação brasileira, mas, também, na pouca disponibilidade de investimento para isto no campo social. Fica a dica: corra para desenvolver formas de adesão e apoio financeiro de indivíduos, adequadas ao seu tamanho e possibilidades, porque isto será ainda mais importante para a sustentabilidade de sua organização no futuro próximo. |
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Cabe às OSCs o desafio de fortalecer seu ativismo, a capacidade de articulação política e de disseminação de narrativas aptas a mobilizar adesão social e política necessária para fazer frente às ameaças do atual contexto. Os tempos vindouros exigirão muito mais das OSCs. |
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Eles exigirão politização das relações e dos padrões de apoio e ajuda herdados historicamente. Tratar-se-á de resiliência, certamente, mas não só; será necessário revisão de paradigmas arraigados, a superação da cultura política de acomodação, dependência e vitimismo, e um renovado (pro)ativismo em mobilização social e no fortalecimento das organizações e de suas redes. Movimentos sociais, grupos e partidos de esquerda, Ongs e OSCs em geral necessitam re-encantar a sociedade, a partir de um ideário e de um imaginário capaz de mobilizar corações e mentes em prol de uma esperança renovada. Disso dependerá sua sustentabilidade. |
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Domingos Armani Domingos Armani é sociólogo, mestre em Ciência Política (UFRGS) e consultor em desenvolvimento institucional de organizações da sociedade civil (OSCs) há mais de 25 anos. Por meio de uma abordagem integral, reflexiva e sensível, apoia processos de mudança, simultaneamente, das pessoas e do todo institucional, visando a fortalecer ambos enquanto pilares de um ecossistema de transformação social. |
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