PENSATA - nº02

Desenvolvimento institucional – para quê mesmo?

16/09/2024

Desenvolvimento institucional está na moda. Que bom! Estava demorando...

 

O momento é propício para refletirmos sobre as diferentes formas de nominar e significar o processo de evolução e desenvolvimento de organizações sociais.

 

Ao longo de minha trajetória como consultor, tenho me deparado com uma variedade de visões e definições de desenvolvimento institucional (DI) de OSCs, e também com uma variedade de formas de apoiá-lo. Neste percurso, pude evoluir e aprimorar minha visão sobre o tema.

 

Para começar, é importante assinalar que desenvolvimento institucional é, em primeiro lugar, o movimento mais ou menos espontâneo de evolução de uma organização (ainda que nunca linear). Ao longo de sua existência, uma organização evolui, muda e se adapta, como resultado da intenção de suas lideranças, do enfrentamento de desafios de contexto, da inércia e mesmo do acaso.

1ª lição: O desenvolvimento institucional é algo que acontece naturalmente na vida das organizações, independente de apoios externos. Qualquer apoio externo deve se conectar com este movimento interno das organizações.

É verdade que, no Brasil, temos falado mais de DI nos últimos anos, de fortalecimento institucional, depois de muito tempo em que o interesse, os recursos e as pressões (não é?), estiveram sobretudo no gerenciamento de projetos. Este movimento recente é muito positivo, e pode significar que, finalmente, mais gente compreenda que a efetividade da democracia e a natureza do padrão de desenvolvimento dependem da existência de uma sociedade civil organizada, forte e autônoma.

 

Vocês não acham que isto ficou mais evidente no contexto de enfrentamento da Pandemia de Covid-19 e das ameaças à democracia vividas permanentemente, pelo menos desde 2015/2016 no Brasil?

 

2ª lição: As OSCs, ou a sociedade civil organizada, como se costuma dizer, não existem somente para prestar serviços. Elas têm um papel chave na qualidade, amplitude e profundidade da democracia.

Tem-se referido ao processo de fortalecimento e aprimoramento das OSCs de muitas maneiras, nem sempre com muita nitidez sobre o sentido do termo utilizado, seu porquê e seu para quê.

 

Muitos optam pela utilização do termo fortalecimento institucional, quando se trata de atores externos querendo apoiar o DI de OSCs. Eu gosto deste termo, porque ele tem a vantagem de sinalizar, de cara, que se trata de favorecer e apoiar o processo de ganho de força, poder e influência das OSCs. Claro que tudo depende dos termos em que isso se dá.

 

Há quem prefira utilizar o termo profissionalização. Bem, este termo eu evito, pelo menos no sentido em que é usualmente utilizado, dando a entender que tudo o que as OSCs necessitam é qualificação técnica e gerencial, quase sempre em moldes corporativos.

 

Cada vez mais gente faz uso do clássico desenvolvimento institucional, que tem várias acepções, algumas se associando com um ou ambos dos termos acima; outras expressando o processo de evolução e aperfeiçoamento das OSCs numa perspectiva integral e sistêmica, que privilegia o todo, que é a que eu adoto.

 

ALERTA: Aqui tem uma armadilha:

 

A) Esses diferentes termos, por vezes, podem estar a dizer a mesma coisa, expressando a mesma visão sobre o fortalecimento das OSCs.

B)  Mas, o mais comum é mesmo que diferentes termos digam coisas diferentes, básico!

 

3ª lição: Não se adota um conceito ou uma terminologia impunemente. Elas sempre jogam luz sobre pressupostos que nos revelam. O conceito diz do fenômeno social, assim como diz de quem o adota.

Penso que dois fatores pesam muito para fundamentar o discurso e a escolha da terminologia sobre o apoio às OSCs: são os paradigmas e as visões sobre o papel das OSCs.

 

Quem pensa a partir de uma perspectiva positivista, tende a ter uma visão fragmentadora, valorizadora da técnica e menos politizada do social, atribuindo às OSCs apenas um papel secundário e complementar, de prestação de serviços sociais que preencham gaps dos Estado. Aí figuram bem termos como profissionalização.

 

Já quem pensa a partir da perspectiva da complexidade, tende a valorizar a integralidade e as conexões dentro de um todo organizacional, interrelacionando as dimensões política, técnica, gerencial e reflexiva, enunciando o papel potencialmente transformador das OSCs. Aqui caem bem fortalecimento institucional ou desenvolvimento institucional[1].


 

[1] Em nível internacional, muitas vezes se usa desenvolvimento organizacional como sinônimo de desenvolvimento institucional.

 

4ª lição: Abordagens tecnicistas e gerencialistas de DI e de apoio ao DI de OSCs servem para manter o status quo, e não para transformar a sociedade.

O cerne da ideia de desenvolvimento institucional é a capacidade de uma organização de pensar sobre si e suas circunstâncias, a todo momento, sabendo identificar e tratar suas prioridades de evolução e aperfeiçoamento.

 

Apoiar o DI de uma organização deve significar, portanto, a oferta de diferentes tipos de apoio (financeiro, técnico, consultoria, mentoria, intercâmbio, comunidade de aprendizagem, etc.), com a intenção de propiciar melhores condições para a organização:

* se pensar estrategicamente

* se conhecer mais profundamente

* se fortalecer (política, técnica, gerencial e reflexivamente)

* enfrentar seus desafios, enquanto sujeito social autônomo.

5ª e "última" lição: Se há apoio ao DI de OSCs sem que a autonomia delas esteja no centro, se trata de neocolonialismo.

Domingos Armani 

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Domingos Armani

Domingos Armani é sociólogo, mestre em Ciência Política (UFRGS) e consultor em desenvolvimento institucional de organizações da sociedade civil (OSCs) há mais de 25 anos. Por meio de uma abordagem integral, reflexiva e sensível, apoia processos de mudança, simultaneamente, das pessoas e do todo institucional, visando a fortalecer ambos enquanto pilares de um ecossistema de transformação social.

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