PENSATA - 01

Reflexões a serviço do fortalecimento das OSCs

30/07/2024

  

Esta é a primeira edição da Pensata, uma newsletter com reflexões a serviço do fortalecimento das OSCs. Ela tem como propósito compartilhar um tanto de minhas experiências, reflexões e inquietações no campo do fortalecimento político e institucional das organizações da sociedade civil. A pretensão é ter uma frequência mensal, anotem aí.

 

O momento atual revela-se propício para reflexões sobre o campo OSC e, ainda mais, para inquietações sobre o que está acontecendo, como está acontecendo, o que não está acontecendo e por quê.

 

Esta newsletter vai focar em reflexões críticas sobre temas relevantes para o desenvolvimento e fortalecimento institucional das OSCs. Perguntas que geram inquietação e desassossego serão de muita utilidade.

 

Espero que essas pensatas temáticas mensais possam nutrir suas reflexões e servir de inspiração na busca por alternativas.

 As ameaças à Democracia e o papel das OSCs

 

O contexto atual se revela extremamente complexo e desafiador para quem está interessado em ampliar direitos, participação e a própria democracia. E, não só no Brasil, mas em todo o mundo, infelizmente. As ameaças à democracia proliferam por todo lado, forças políticas progressistas e democráticas perdem força em muitos países, o espaço cívico-democrático se vê reduzido e torna-se cada vez mais difícil para muita gente distinguir verdade de mentira disfarçada de liberdade de expressão.

 

Tem havido vitórias políticas importantes em alguns países – vide Chile, Peru, Colômbia, México e, mais recentemente, Reino Unido e França – mas elas ainda não representam um possível novo ciclo de ascensão; o crescimento da direita e da extrema direita ainda domina o cenário... e as ameaças.

 

Para uma organização da sociedade civil, uma coisa é atuar sob um regime democrático, ainda que com severas limitações e padrões de desigualdades; outra, bem diferente, é atuar sob a ameaça da perda do substrato democrático mínimo necessário para exercer protagonismo político.

 

Esta é a maior ameaça política que vivemos hoje, no Brasil e no mundo – o risco de perda da democracia que temos, com a consequente ameaça aos direitos conquistados, às condições de vida da população e ao espaço cívico-democrático de ação e interlocução.

 

No Brasil, esta ameaça está conectada com a fragilização do “pacto democrático” estabelecido pela Constituição de 1988, corrompido por forças de direita e extrema direita interessadas no retorno a um regime autoritário. Essas forças estão associadas à denominada teologia do domínio(1), fazendo crescer visões conservadoras e retrógadas. Esta convergência entre forças políticas de direita, conservadoras e correntes do neopentecostalismo tem levado ao fortalecimento do fundamentalismo, religioso ou não, que grassa no cotidiano de milhões de pessoas, via redes sociais, certas mídias, igrejas conservadoras, forças políticas de direita e extrema direita e assim por diante.

 

Visões de mundo fundamentalistas estabelecem uma visão social simplista de caráter moral, categorizando tudo à volta em “bem” (nós) ou “mal” (eles), fechando-se para complexidades, contradições e ambiguidades, inquietudes e dúvidas que possam fazer o pensamento reflexivo ingressar nessas bolhas plenas de certezas absolutas. É uma visão de mundo e de sociedade que transforma tudo em uma narrativa coerente, harmônica e simples, tudo bem de acordo com “meus” valores e princípios (e interesses!), fortalecendo polarizações e radicalizações anti-Estado democrático.

O fundamentalismo (pode-se ler essencialismo), infelizmente, não é monopólio das forças conservadoras e de direita, tendo deixado marcas na cultura política brasileira, mas, sabemos que, no caso das forças de direita, o fundamentalismo não é um componente marginal de seu ideário atual e estratégia política, é seu cerne e força vital. Por isso, hoje, o fundamentalismo tornou-se um dos principais vetores das ameaças à democracia e à perspectiva dos direitos.

 

Uma das implicações deste quadro político é o combate político e jurídico à independência e ao papel emancipatório desempenhado pelo ativismo das organizações da sociedade civil, pilares do alargamento da democracia.

 

Num quadro geral adverso como este cabe refletir sobre o papel precipuamente político das OSCs. Esse conjunto diverso e múltiplo de grupos, coletivos e organizações, mais ou menos formalizadas, pequenas, médias e grandes, com menor ou maior desenvolvimento institucional, representa e promove, a duras penas, demandas de grupos sociais marginalizados e muitas vezes invisíveis para a sociedade, fazendo avançar demandas negligenciadas pelo poder público, e defendendo causas sociais que encontram resistência de grupos de interesse.

 

 Urge que todos os setores democráticos da sociedade civil se mobilizem e desenvolvam iniciativas conjuntas em defesa da democracia.

 

O enfraquecimento da perspectiva de direitos, do espaço cívico-democrático e dos valores fundantes de uma democracia republicana, contribui diretamente para a fragilização da sustentabilidade político- institucional do campo das OSCs, o que se reflete em sua sustentação financeira.

 

Dito de outa forma, a maior ou menor sustentabilidade institucional, política e financeira, do campo das organizações da sociedade civil, tem relação direta com o valor social (legitimidade) conferido pela população aos valores que fundamentam sua ação e sua razão de ser.

 

Democracia = direitos = participação = defesa de causas = sustentabilidade das OSCs = democracia

Assim, quanto maior for a proporção da população brasileira que adere aos valores democráticos, à perspectiva dos direitos e à participação social, por exemplo, maior será a percepção positiva acerca da necessidade da defesa de causas sociais pelas OSCs.

 

Quanto maior for a resistência social e institucional aos temas ditos de “costumes” – família, gênero, sexualidade, aborto, LGBTQIAPN+, etc. – tanto mais difícil fica o trabalho das OSCs que trabalham nessas temáticas e mais desafiada e incerta se torna sua sustentabilidade.

 

A disputa no espaço público sobre o significado acerca dos valores fundantes da democracia é tarefa incontornável da sociedade civil organizada comprometida com um horizonte emancipatório. Já não é suficiente para uma organização desenvolver um bom trabalho social; torna-se necessário promover a causa social em questão no espaço público, com uma narrativa que evidencie sua conexão com determinados valores e visões de mundo. Trata-se de verdadeira luta contra-hegemônica, pela qual se necessita dissociar o que foi maleficamente associado (poder político & teologia cristã, p.ex.), e associar o que foi intencionalmente dissociado (ativismo & direitos, p.ex.), para conferir um novo sentido – progressista e emancipatório – ao convívio social e ao bem viver em sociedade.

 

Percebe-se crescente preocupação e algumas iniciativas no campo OSC sobre as ameaças à democracia e o avanço do conservadorismo e do fundamentalismo, mas elas parecem ainda tímidas e pontuais diante do abismo à vista.

 

É importante que cada organização, subsetor e o campo OSC como um todo, e instituições de defesa da democracia, estabeleçam iniciativas articuladas e conjuntas, verdadeiras pontes, em prol do Estado de Democrático de Direito. Uma resposta robusta às atuais ameaças à democracia no Brasil requer uma ação sistêmica, articulada e permanente de valorização e defesa dos princípios democráticos.

 

Você também tem esta sensação de que o Brasil se aproxima de um abismo? Você conhece e/ou participa de iniciativas relacionadas a este tema? Adoraria tomar conhecimento e poder divulgar.

 

Domingos Armani

  

 

(1) A Teologia do Domínio faz uma interpretação literal de passagens da Bíblia para fundamentar e justificar o domínio de uma visão teológica cristã conservadora (fundamentalista) sobre tudo na sociedade, em especial, o poder político e a vida pública. Para saber mais: https://www.nexojornal.com.br/expresso/2024/03/17/teologia-do-dominio-o-que-e.

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Domingos Armani

Domingos Armani é sociólogo, mestre em Ciência Política (UFRGS) e consultor em desenvolvimento institucional de organizações da sociedade civil (OSCs) há mais de 25 anos. Por meio de uma abordagem integral, reflexiva e sensível, apoia processos de mudança, simultaneamente, das pessoas e do todo institucional, visando a fortalecer ambos enquanto pilares de um ecossistema de transformação social.

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